No fim de semana, o Rio de Janeiro foi palco de confrontos entre facções e a polícia que deixaram até agora 42 pessoas mortas. No domingo (18), quatro pessoas foram presas próximo ao Morro São João e armas e drogas foram apreendidas.
Na quarta-feira (21), um carregamento de armas foi apreendido no Mato Grosso com destino ao Rio de Janeiro. Eram cinco fuzis FAL calibre 7,62 de uso exclusivo das Forças Armadas e Polícia Militar.
Um fuzil como esse é capaz de acertar um alvo a 600 metros de distância e tem alto poder de destruição.
"Derruba helicóptero. Tem capacidade para causar algum estrago em veiculo blindado com perfuração de 6 mm, em blindagem", avalia o inspetor da PRF Douglas Brum.
Os policiais também acharam duas mil munições. O motorista foi preso em flagrante. Ele disse que saiu de Ji-Paraná, em Rondônia, andou mais de 1,5 mil quilômetros, a maior parte por estradas vicinais, para desviar dos postos de fiscalização da Polícia Rodoviária. Mas, na BR-070, já em Mato Grosso, foi obrigado a passar em frente à barreira.
Era uma caminhonete parecida com tantas outras que circulam na região. Mas ao fazer a fiscalização, o policial desconfiou de uma alteração na lataria do veículo. Pelo som, descobriu que havia algo errado.
O controle do tráfico de armas deve priorizar as malhas rodoviárias brasileiras, maximizando investimentos na área de inteligência, para que o Brasil possa cooperar com os órgãos de inteligência dos países vizinhos. Nos últimos quatro anos, a média de apreensão de armas ilegais de diversos calibres e tipos no Rio de Janeiro foi de 13 mil por ano. Desse total, cerca de 2% eram fuzis ou armas automáticas. Em Buenos Aires, na Argentina, foram apreendidas três mil armas em dois anos. Comparando-se o Rio de Janeiro dos anos 80, o volume de apreensões de armas cresceu dez vezes no mínimo.
De acordo com o pesquisador Pablo Dreyfus, o fator determinante desse aumento do tráfico ilegal de armas na capital fluminense ocorreu entre 1985 e 1986, com a entrada do tráfico de cocaína na cidade. “A entrada do tráfico de drogas aumentou a violência armada entre os homens jovens de 15 a 29 anos de idade. Tem um androcídio no Brasil. Tem homem jovem matando homem jovem, sobretudo homens jovens de setores de baixos recursos e pouco acesso à educação. Ou seja, jovens sem oportunidade no mercado legal, que são cooptados pelo negócio do narcotráfico.”
CPI do Tráfico de Armas: Revelações colocam instituições brasileiras na berlinda
O relatório parcial elaborado pelo deputado Raul Jungmann (PPS-PE) para a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre organizações criminosas do tráfico de armas trouxe informações inéditas e reveladoras sobre os meandros do mercado nacional e fronteiriço de armas de fogo no Brasil. E colocam na berlinda instituições como o Exército e o Itamaraty.
O relatório foi feito a partir da análise de informações inéditas obtidas com o rastreamento de 10.549 armas, realizado pelos seus fabricantes Forjas Taurus S/A, Amadeo Rossi, Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) e Indústria de Material Bélico do Brasil (Imbel), e de 8.422 armas rastreadas pelo Sistema Nacional de Armas (Sinarm) da Polícia Federal. Ao mesmo tempo, foi realizado o levantamento do perfil (nacionalidade, tipo de arma, calibre e situação legal) de 146.663 armas apreendidas pelas polícias dos Rio de Janeiro, São Paulo e Distrito Federal.
Segundo a pesquisa “Brasil: as armas e as vítimas”, do Iser, circulam no Brasil mais de 17 milhões de armas de fogo - 90% delas em mãos civis. Desse montante, mais da metade são armas ilegais, das quais se calcula que 46% (quase quatro milhõe) estão nas mãos de criminosos.
Segundo o relatório de Jungmann, ao contrário do que se pensava, as armas dos bandidos vêm, sim, das lojas. “Pela análise dos rastreamentos realizados, constata-se que os maiores desvios de armas para o crime (68%) são realizados por lojas legalmente autorizadas a vender estes produtos, dentro da lei”, afirma o texto. "As armas dos homens de bem vão para os braços dos homens do mal", afirma o sub-relator acrescentando que "bandido também compra arma em loja porque não há controle".
A CPI também investigou para quem essas lojas venderam as armas: 74% das vendas foram feitas para pessoas físicas. Para Antônio Rangel Bandeira, coordenador do Projeto de Controle de Armas da ONG Viva Rio, existem algumas possibilidades. “As armas vendidas nas lojas vão para as mãos dos bandidos, os 'cidadãos de bem' não eram de bem, eram bandidos, ou foram roubados, ou venderam para bandidos”, explica. “Quando se quis proibir o comércio de armas para civis no referendo, era exatamente para acabar com a maior fonte de armas para o crime: armas vendidas no comércio legal”, ressalta.
Outra constatação foi a de boa parte das armas desviadas vêm das empresas de segurança privada e, o mais surpreendente, 18% das armas rastreadas pelas fábricas tinham sido vendidas para órgãos do Estado - 71% para as forças de segurança pública e 27% para as Forças Armadas. “Isto é, membros de organismos criados e financiados para proteger a sociedade são grandes fornecedores de armamento para aqueles que a agridem”, revela o documento. "Comprovou-se o que já se suspeitava: policiais corruptos vendem armas para o crime organizado no Brasil", afirma Rangel.
RJ: armas rastreadas do poder público segundo organização, 1998-2003. N=1.928
Mas as investigações revelaram também que entre as armas apreendidas pela polícia estavam armas que tinham sido compradas para membros do Exército que constituem uma das maiores fontes de desvio de armas. De acordo com Jungmann, este desvio acontece pela vigência de uma norma imposta na época do regime militar e que vem sendo renovada periodicamente.
“Por um regulamento absurdo da época da ditadura, esses militares podem comprar, a cada dois anos, três armas novas diretamente da fábrica a preço de custo. Em seis anos, acumulam 12 armas novas e baratas. Tem que acabar com esse privilégio”, destaca o deputado.
E ele vai mais longe. Em entrevista coletiva concedida à imprensa nesta segunda-feira (27), em Brasília, Jungmann, que foi vice-presidente da Frente Brasil sem Armas que defendeu o “sim” no referendo, afirma que o mercado legal de armas abastece o ilegal por absoluta falta de controle das autoridades e que o Estatuto do Desarmamento não está sendo aplicado.
“No que foi aplicado, melhorou. A campanha de desarmamento e a proibição do porte de armas, sozinhas, baixaram o número de mortos em 8%, salvando mais de três mil vidas, a primeira redução nos últimos 13 anos”, constata. O deputado se refere aos dados apresentados em levantamento realizado em 2004 pelo Ministério da Saúde e reforçados pela Unesco na pesquisa “Vidas poupadas”.
A Comissão comprovou também que 14% das armas brasileiras apreendidas pela polícia no Brasil tinham sido previamente exportadas para o Paraguai, e daí voltaram para o crime organizado no Rio de Janeiro. Contrariando a lei que entrou em vigor em 2003, o governo não exige mais a marcação das armas exportadas com o nome do comprador. O objetivo desta medida era facilitar o rastreamento dessas armas exportadas quando desviadas.
Outra medida que remonta aos tempos do regime militar é um dispositivo chamado de “decreto secreto” que, impede a fiscalização das exportações de armas e munição pelos órgãos federais credenciados e proíbe aqueles que tomam conhecimento dessas informações de prestarem esclarecimentos a respeito. "O Brasil considera que as informações sobre exportações de armas são estratégicas e, portanto, sigilosas", explicou Jungmann.
Com relação ao perfil das armas, a análise das informações correspondentes às quase 150 mil armas apreendidas em São Paulo e Rio de Janeiro e Distrito Federal, revelam que os criminosos usam armas de fabricação nacional, de preferência revólveres calibre .38, e que um percentual importante (37% no DF) são registradas, ou seja, foram compradas de forma legal. Das armas analisadas, 83% são de fabricação brasileira o que demonstra a importância decisiva de controlar os desvios de armas dentro do país.
RJ: armas rastreadas segundo espécie, 1998-2003. N=10.549
Segundo Antônio Rangel, isso acaba com o mito de que os bandidos usam armas estrangeiras. “Só os narcotraficantes do Rio usam armamento pesado. A maioria esmagadora das armas dos bandidos que nos assaltam na rua, ou em casa, é arma brasileira”, explica.
A CPI elaborou um mapa das principais rotas e canais por onde entram o armamento contrabandeado do exterior, ou de armas que são exportadas e retornam ao nosso território. O estudo revelou que a entrada das armas se dá por três rotas principais: armas vindas do Paraguai, passando pela Argentina e entrando pelo sul do Brasil; armas vindas da Europa pelo porto holandês de Roterdam, passando por Suriname, ex-colônia holandesa, e daí penetrando no Brasil; e armas vindas dos Estados Unidos, via Panamá e México.
Mapa do contrabando de armas
Finalmente, a CPI descobriu que a mais importante medida do Estatuto, a que cria o Sistema Nacional de Armas (Sinarm) e o integra ao Sistema de Gerenciamento Militar de Armas (Sigma), não avança devido à resistência de setores do Exército que se recusam a compartilhar informações sobre armas com a Polícia Federal. “Gastou-se milhões na adaptação dos dois bancos de dados, o Sigma, da DFPC, e o Sinarm, da Polícia Federal, mas interesses inconfessáveis bloqueiam a sua interligação, impedindo que todas as armas apreendidas na ilegalidade sejam rastreadas”, afirma o texto do relatório.
“Sem boa informação não há controle possível. Por isso não se faz rastreamento no Brasil, e sem rastreamento não se chega aos bandidos. O trabalho feito pela CPI e pelo Viva Rio demonstrou que é possível rastrear grande número de armas e chegar aos grandes canais de desvio de armas para o crime”, avalia Rangel.
Propostas serão votadas dia 29
O relatório propõe soluções para cada um dos problemas detectados. Entre as propostas estão a transferência da fiscalização do comércio de armas, munições e explosivos para a Polícia Federal; a flexibilização do texto constitucional permitindo que os estados estruturem suas polícias; a realização de campanhas de entrega voluntária de armas uma vez por ano; a manutenção da portaria que estabelece a alíquota de 150% para as exportações de armas para os países da América Latina e Caribe; a criação, pela Câmara Federal, de uma Sub-Comissão Permanente sobre Armas e Munições, com a missão de fiscalizar e autorizar o comércio externo de armas; e um projeto de lei estabelecendo uma faixa cem quilômetros, a partir das fronteiras do Brasil com seus países vizinhos do Mercosul, de ambos os lados, em que se proíba o comércio de armas e munições.
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