
Ao autorizar progressão para o regime semiaberto, Justiça permitiu que chefe de facção paulista fugisse pela segunda vez de cadeias gaúchas
Humberto Trezzi humberto.trezzi@zerohora.com.br A Polícia Civil gaúcha e a Brigada Militar, mais uma vez, tentam consertar um erro que não foi cometido por elas, o das fugas no sistema penitenciário.
Empreendem desde o fim de semana uma caçada para localizar o assaltante Oséas Cardoso, o Português, que já integrou o alto escalão do Primeiro Comando da Capital (PCC), a facção criminosa dominante em São Paulo. O experimentado criminoso é suspeito de estar agindo – no caso dele, assaltando – desde os primeiros minutos após a fuga.
É a segunda escapada de Português do regime semiaberto. O assaltante de bancos cumpria pena na Casa do Albergado Padre Pio Buck, situada junto ao Presídio Central de Porto Alegre, e fugiu na noite do último sábado. Escapou apenas 23 dias após deixar as grades de uma prisão de segurança máxima de Charqueadas, onde estava desde junho de 2006.
Ele pulou um muro, com outro preso. Não houve surpresas no sumiço de Português. Esse albergue é o campeão de fugas no Rio Grande do Sul. Dele escaparam 372 presos no último semestre, o mesmo número que sua capacidade.
Oséas Cardoso, o Português, não é um criminoso qualquer. Faz parte, segundo o setor de inteligência da Polícia Federal (PF), da cúpula do PCC, apelidado Partido do Crime, que se tornou a organização criminosa mais abrangente do Brasil e tem líderes espalhados por diversos Estados. Português tem 59 anos – condenado velho, para os padrões do submundo.
Mentor de roubo de R$ 30 milhões
Em 2001 foi preso pela PF em Porto Alegre, com oito paulistas e quatro gaúchos, quando juntava um arsenal para cometer um assalto que renderia no mínimo R$ 5 milhões: o ataque à tesouraria do Banco do Brasil situada junto ao Aeroporto Salgado Filho.Português foi trancafiado na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) e lá aproveitou para manter unidos os 29 integrantes do PCC que se encontravam no Rio Grande do Sul. Parte deles estava envolvida na tentativa de assalto em 2001. Outros foram presos por cavar um túnel que os permitiria arrombar duas agências bancárias no centro de Porto Alegre – e, por isso, ficaram conhecidos como “ladrões-toupeira”. Todas as semanas, familiares se deslocavam de avião de São Paulo para o Estado a fim de visitar o assaltante.
Português foi transferido para o Instituto Penal de Mariante (em Venâncio Aires) e dali escapou em 2 de janeiro de 2006, dois meses e meio após chegar nessa colônia penal agrícola. Logo virou notícia. Foi apontado pela PF como mentor intelectual do principal assalto a banco da história do país, que resultou no roubo de R$ 30 milhões da sede do Banespa, em São Paulo, em 5 de maio daquele ano. Um grupo de 15 bandidos, armados de fuzis, entrou no edifício de 35 andares por uma porta lateral de vidro, rendeu 11 vigilantes e desceu até o terceiro subsolo da agência, onde ficam os cofres. Além de levar a fortuna, carregaram 80 fitas de vídeo da central de vigilância, para evitar reconhecimento.Português foi recapturado em junho de 2006. Ele foi surpreendido por policiais militares quando circulava num comboio composto por três veículos recheados de criminosos, na Avenida Assis Brasil, zona norte de Porto Alegre. Quatro criminosos, todos foragidos, foram presos numa caminhonete e em três automóveis. Eles portavam uma submetralhadora e três pistolas, todas com numeração raspada.
Português estava desde então na Pasc. No último dia 3, foi transferido para o Instituto Penal Escola Profissional (IPEP), de Charqueadas. Ficou ali duas semanas e foi recambiado para o albergue Pio Buck, em Porto Alegre. Passou nove dias sem fazer nada ali, já que o albergue não tem oficina. Quando os guardas foram conferir sua presença, na manhã do último domingo, não o encontraram.
Delegado defende mudança da norma
O delegado Ranolfo Vieira Junior, diretor do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), está inconformado com a fuga de Português. Ele diz que o erro está na legislação penal permissiva, que permite que bandidos saiam direto de um presídio de segurança máxima para um albergue sem grades. Sem um estágio intermediário:– Isso acontece todos os dias e eles mal chegam ao semiaberto e já fogem. Dos sete bandidos que foram presos após o duplo assalto a banco em Boqueirão do Leão, este mês, seis eram foragidos do semiaberto. É só o que eles fazem.
O delegado Ildo Gasparetto, superintendente da PF no Rio Grande do Sul, vai além e conclui que só uma iniciativa pode conter os líderes de facções criminosas:– Tem de mudar a lei. Não é possível que quem usa fuzil para roubar R$ 1milhão cumpra a mesma pena que quem rouba R$ 1.
Contraponto
O que diz a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe):A assessoria de imprensa da Susepe confirma a fuga e também o fato de que o Pio Buck é o recordista em escapadas de presos este ano, mas prefere não comentar o episódio específico envolvendo Oséas Cardoso.
ZERO HORA
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