terça-feira, 22 de setembro de 2009

Abordagem Policial X Legalidade


É bom refletirmos sobre a busca pessoal e a abordagem policial, pois são ações que fazem parte do dia-a-dia da nossa profissão. É preciso conhecer as leis e a doutrina jurídica para não extrapolarmos nossa competência legal e, consequentemente, incorrermos em ilícitos penais.
Diante da fundada suspeita de que uma pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar, o policial pode e deve realizar a busca pessoal, independentemente de mandado. Tal procedimento é previsto pelo artigo 244 do Código de Processo Penal (CPP).

Art. 244 - A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar.

A doutrina interpreta extensivamente esse meio de prova (acautelatória e coercitiva) para autorizar, além da inspeção do corpo e das vestes, a revista em tudo que estiver na esfera de custódia do suspeito, como bolsa ou automóvel, desde que haja fundada suspeita.

É preciso ter atenção à expressão "fundada suspeita". Somente é permitida a busca pessoal diante de uma suspeita fundamentada, palpável, baseada em algo concreto. Preste atenção na expressão correta: "Fundada suspeita", e não "atitude suspeita". É preciso esclarecer esse ponto, porque, segundo os doutrinadores, a suspeita é uma desconfiança ou suposição, algo intuitivo e frágil por natureza, razão pela qual a norma exige a "fundada suspeita", que é mais concreta e segura.

A abordagem policial, de certa forma, é um ato que causa constrangimento. Se não realizada de acordo com a lei, pode ser entendida como "constrangimento ilegal" ou "abuso de autoridade".

Existem casos de policiais que foram denunciados por terem realizado busca pessoal supostamente fora dos parâmetros legais. Veja trecho de decisão do Superior Tribunal Federal:

(...) A fundada suspeita, prevista no art. 244 do CPP, não pode fundar-se em parâmetros unicamente subjetivos, exigindo elementos concretos que indiquem a necessidade da revista, em face do constrangimento que causa. Ausência, no caso, de elementos dessa natureza, que não se pode ter por configurados na alegação de que trajava, o paciente, um blusão suscetível de esconder uma arma, sob risco de referendo a condutas arbitrárias ofensivas a direitos e garantias individuais e caracterizadoras de abuso de poder. (...)

- HC 81305, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Primeira Turma, julgado em 13/11/2001, DJ 22-02-2002 PP-00035 EMENT VOL-02058-02 PP-00306 RTJ VOL-00182-01 PP-00284)

Infelizmente ou felizmente, a busca pessoal não é legalmente prevista para atividades e ações de prevenção criminal, a exemplo de operações do tipo "Batida Policial", "Blitz Repressiva", entre outras ações em que o cidadão é revistado sem haver a fundada suspeita. Segundo os doutrinadores, a revista pessoal não é um meio de prevenção ou repressão, mas um meio de prova. Tanto é assim que o art. 244 do CPP, que trata da busca pessoal, está disposto no título "Das Provas". Todavia, é bom salientar que a blitz de trânsito, aquela que fiscaliza documentos e condições do veículo, é plenalmente legal, pois é prevista pelo Código de Trânsito.

O policial "ponta de linha" deve tomar conhecimento dessas questões legais e doutrinárias, pois, caso seja determinado a cumprir operações do tipo "Batida Policial", não pode ter vergonha de falar na rede de rádio ou constar em seu relatório que não abordou ninguém, tendo-se em vista que nenhuma pessoa foi encontrada em fundada suspeita. Se alguma pessoa estiver na fundada suspeita de estar de posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, logicamente o policial deve abordar. Não pode se eximir do seu dever constitucional de preservar a ordem pública e garantir a incolumidade das pessoas e do patrimônio.

O que eu quero enfatizar é que o policial não deve produzir "números" agindo em dissonância da lei. Ordem ilegal não se cumpre. Certamente que abordagens e operações do tipo "Batida Policial" trazem benefícios para a comunidade, sendo uns dos meios que mais tiram cidadãos infratores das ruas. Sem dúvida. A minha opinião é a de que o policial deveria ter, legalmente falando, mais liberdade para realizar abordagens e buscas pessoais. Porém, nós policiais não podemos resolver os problemas da sociedade criando problemas para nós mesmos. Se a lei fala que a busca pessoal somente deve ser realizada diante de uma "fundada suspeita", cabe a nós policiais agirmos de acordo com a norma legal, pois vivemos num Estado Democrático de Direito, onde nossas ações são rigorosamente disciplinadas por regras jurídicas.

Para revestir a ação policial de completa legalidade, é importante que, ao prestar um depoimento ou redigir um boletim de ocorrência, o policial esclareça qual o motivo de ter sido efetuada a busca pessoal no cidadão. Veja o exemplo de alguns trechos de boletins de ocorrência:

De acordo com a Central de Comunicações, dois indivíduos haviam efetuado um assalto a mão armada na Loja de Celulares X e evadido em fuga num veículo modelo Gol, de cor marron, placa não anotada, pela Rodovia MG-010, sentido Aeroporto de Confins. Momentos após a mensagem da Central, deparamos com um veículo modelo Gol, de cor marron, placa YYY-0000, ocupado por dois individuos. Diante da fundada suspeita de serem os autores do delito, abordamos o veículo e realizamos busca pessoal nos ocupantes. Entretanto, nenhum objeto ilícito foi encontrado e a vítima não reconheceu os abordados como sendo os autores do crime.

Ao patrulharmos a Rua X, percebemos que o conduzido ficou inquieto e apreensivo ao avistar a viatura policial. Quando nos aproximamos, ele tentou esconder em suas vestes o objeto apreendido. Diante da fundada suspeita, o abordamos e revistamos, sendo encontrado...

Ao patrulharmos o local Y, conhecido como ponto de venda de entorpecentes, sentimos forte odor de maconha, razão pela qual decidimos abordar e revistar os cidadãos que ali se encontravam. Durante busca pessoal nos circunstantes, foi encontrado com o conduzido...

No caso de busca pessoal em mulheres, o dispositivo legal que trata do assunto é bem claro:

Art. 249 do Código de Processo Penal - A busca em mulher será feita por outra mulher, se não importar retardamento ou prejuízo da diligência.

Sempre que possível, a busca em mulheres deve ser realizada por uma policial (sexo feminino). Contudo, para não retardar ou prejudicar a diligência, o policial (sexo masculino) pode executar a busca, com o devido respeito e discrição, preferencialmente em lugar reservado, fora do alcance da curiosidade popular. Durante meu curso de formação, ensinaram-me que, havendo outra mulher por perto, o policial deve convidá-la ou determiná-la a proceder a revista na suspeita, orientando-a sobre como efetuar a busca. Na busca em mulheres, o requisito da fundada suspeita também é imprescindível.

Para finalizar, deixo claro que não quero que você policial deixe de abordar; o que eu quero é que você tenha conhecimento da legalidade de suas ações e que você esteja preparado para explicar os fundamentos de fato e de direito que o levaram a submeter o cidadão a uma busca pessoal. Temos que trabalhar dentro da legalidade, pois já existe até cartilha dos Direitos Humanos ensinando como denunciar supostos e hipotéticos abusos praticados por policiais.

2 comentários:

  1. pode um policial abordar um cidadao sob suspeita de documentos do veiculo vencidos ou abilitacao vencida,ou sem abilitacao apontando armas de fogo pesadas e com aspereza, abuzo de autoridade,falta de educacao?

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  2. Gostaria de saber se a mulher brigadiana pode revistar um homem?????

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